O nonsense do devir, por Emil Cioran em Nos cumes do desespero, Editora Hedra Ltda.
Na tranquilidade da contemplação, fixados e suspensos debaixo da eternidade, escutando o tique-taque do relógio ou qualquer outro ritmo que signifique o progresso no tempo, é impossível não sentirmos todo o absurdo da marcha do tempo, do avanço, de todo o nonsense da evolução e de qualquer tipo de progressão. Por que avançarmos, por que continuarmos vivendo no tempo? A revelação súbita do tempo em tais contemplações, que dão a ele uma proeminência viva e esmagadora, que ele jamais revela na existência cotidiana, é o resultado de um desgosto pela vida, de uma incapacidade de continuar com a mesma história. Quando essa revelação ocorre no meio da madrugada, o absurdo da progressão do tempo aumenta com a sensação de uma indescritível solidão, pois então, longe das pessoas e do mundo, ficamos a sós diante do tempo, numa dualidade irredutível. O tempo, nessa sensação de abandono noturno, não está mais recheado com nada, com nenhuma ação ou objeto, parecendo-se com um vácuo que cresce progressivamente na existência, um vácuo em contínua dilatação e evolução, como uma ameaça vinda do além. Não podemos mais escutar na tranquilidade e no silêncio da contemplação nada além do ritmo do tempo dentro de nós, o som e a batida repetitiva como um badalo de sino de um universo defunto. O drama do homem e do tempo só vive quem separou o tempo da existência e que, nessa dissociação, fugindo da existência, encontra-se oprimido pelo tempo. Ele sente, dentro de si, o avanço do tempo como o avanço da morte. A única coisa que pode salvar o homem é o amor. Chorarmos ao pensarmos na humanidade, amarmos tudo, num sentimento de suprema responsabilidade, sermos invadidos por uma melancolia envolvente ao pensarmos nas lágrimas que ainda não vertemos pela humanidade, eis o que significa a salvação pelo amor, única fonte de esperança. Por mais que eu lute nos cumes do desespero, não quero e não posso renunciar ao amor e abandoná-lo, mesmo que meus desesperos e tristezas ensombreçam a fonte luminosa do meu ser, deslocado quem sabe para que recantos distantes da existência. Posso despencar por qualquer coisa neste mundo, mas não por um grande amor. Quando o nosso amor for correspondido com desprezo ou indiferença, quando todas as pessoas nos abandonarem e quando a nossa solidão se transformar num abandono supremo, todos os raios do nosso amor que não puderam penetrar nos outros para iluminá-los ou para tornar suas trevas mais misteriosas vão ricochetear para que, em seguida, no momento do abandono último, suas cintilações nos transformem em luz e suas labaredas nos transformem em calor. Então, as trevas deixarão de ser irresistíveis e nossa vertigem diante de penhascos e profundezas cessará. Para atingirmos, porém, o acesso à luz total, o êxtase do esplendor extremo, nos cumes e limites da beatitude, desmaterializados por raios e purificados por suavidades, temos de ter escapado definitivamente da dialética de luz e trevas, temos de ter chegado à autonomia absoluta do prazo primeiro. Mas quem é capaz de um amor tão vasto? Emil Cioran
Enviado por Germino da Terra em 22/12/2012
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