Prestidigitação da beleza, por Emil Cioran, em Nos cumes do desespero, tradução de Fernando Klabin — Editora Hedra Ltda.
A sensibilidade pelo belo como realização formal e harmônica se desenvolve com maior força quanto mais o homem se aproxima da felicidade. É na beleza que ele também encontra sua razão de ser, seu equilíbrio interno e sua justificação integral. Não podemos conceber algo belo a não ser tal como ele é. Um quadro ou uma paisagem nos encanta a tal ponto que não podemos representá-lo enquanto o contemplamos, a não ser na forma em que se apresenta. Ver o mundo sob o signo da beleza vale afirmar que este mundo deveria ser assim como é. Numa tal visão, tudo se funde em harmonias e brilha em esplendor, enquanto os aspectos negativos da existência só fazem intensificar a graça das harmonias e o brilho dos esplendores. A beleza não salvará o mundo, mas aproximará mais rápido da felicidade quem se envereda por esse caminho. Será que, neste mundo de antinomias e paradoxos, o belo está isento dessas anomalias? O belo — e é justamente esse o seu encanto e sua natureza particular — só constitui um paradoxo do ponto de vista objetivo. O fenômeno estético exprime o paradoxo de representar o absoluto em forma e o de objetivar em formas limitadas um Infinito. Pois o que significa a realização total, sem a possibilidade de conceber outra modalidade de realização a não ser apresentar um absoluto ao nosso sentir? Nos momentos de contemplação do belo, não percebemos a impossibilidade real desse absoluto, nem sua contradição essencial e orgânica, mas vivemos na mais ingênua participação um absoluto que objetivamente se revela impossível. O absoluto em forma, o absoluto materializado em expressões limitadas, é possível no espírito de quem se deixar dominar pela emoção estética, no momento da visão do belo, constituindo, porém, uma contradictio in adjecto (em latim original, contradição em si) de uma outra perspectiva que não a do belo. Por isso existe tanta ilusão em qualquer ideal de beleza, a tal ponto que sua extensão é indeterminável. Mais grave é o fato de que a premissa fundamental de todo ideal de beleza, com base no qual o mundo deve ser tal como é, não resiste à análise mais elementar. O mundo deveria ser de qualquer modo, mas não como é. Emil Cioran
Enviado por Germino da Terra em 08/12/2012
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