O mulher negra, por Marcílio Godoi* (em língua portuguesa no 77, seção Figura)
O biólogo Mia Couto passou muitos anos estudando e recolhendo mitos, lendas e crenças sobre sua terra nas comunidades moçambicanas. Fez, a seu modo, um périplo similar ao que fizeram, por nosso interior, Guimarães Rosa e Manoel de Barros e, por Angola, Luandino Vieira, os três tidos por Mia como seus mestres literários. Antônio Emilio Leite, o Mia, não cultua, cultiva palavras em uma prosa poética arrebatadora, cheia de imagens sonoras e perfumados sons. Em seus “abensonhados pensatempos”, alegra-se como um menino inventando neologismos, pelo alcance que sente em nomear o mundo pela primeira vez, mas não admite que reduzam sua literatura a uma oficina linguística. “A palavra pertence a territórios múltiplos”, previne o autor de Jesusalém. Filho de portugueses, tem em nossa língua uma espécie de progenitora do pensador atuante que se tornou. Em Mia, o poeta sobreviveu ao militante panfletário. Suas palavras parecem bichos, parecem plantas, brincriando de ideias com a terra. Certa vez, foi visitar Cuba e ganhou de presente uma caixa. Nela encontrou saias, colares e brincos. Mia se diverte ao contar que Fidel esperava que ele fosse uma mulher negra.
*Marcílio Godoi é arquiteto e jornalista,
autor do Pequeno Dicionário Ilustrado de Palavras Invenetas (Sagui, 2007) www.memoeditorial.com.br Marcílio Godoi
Enviado por Germino da Terra em 09/03/2012
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