Quem é quem no livro das faces
por Arnaldo Bloch
(n’O Globo, sábado, 19 de fevereiro de 2011)
Depois de assistir a quase todos os dez filmes indicados ao Oscar, fico com a impressão de que, embora nenhum deles seja uma estupenda obra-prima, “A rede social” é o que reúne mais qualidades. A principal: mostrar, sem rastro de hipocrisia, que o mundo hoje dominado por nerds, onde a palavra compartilhar é pronunciada com biquinho à francesa, foi construído, em grande parte, com base em impulsos mesquinhos, inveja, traições, desespero, sevícias, roubo e golpismo —praticados por mentes privilegiadas, bem nutridas e criadas em bom berço.
É bom ver Mark Zuckerberg, o pai do Facebook, voluntariamente retratado como maníaco solitário, psicopata de alta categoria. É bom ver Sean Parker apresentado como um grandissíssimo filho da puta. Não por ter feito ruir, com o seu Napster, a pirâmide das majors do disco. Mas por conseguir, ao meter a colher no embrião do Facebook, ser o mais podre de todos num mar de excrementos. Monstro social e sensual das comunicações contemporâneas, o Facebook é tão amigável e sedutor que poucos escapam. É como um buraco negro: nem os fótons se salvam. É capaz de a própria luz, a qualquer momento, criar ali um perfil e um avatar e começar a bater papo e dividir impressões com os astros, microscópicos ou gigantescos, que se movem nesta constelação infinita. Ali, naquele buraco gostoso, é difícil julgar alguém: todos são amigos. Quem não é amigo não é, ponto, não está, não existe. E, dependendo da complacência do seu perfil pessoal, é bem capaz de o sujeito se amigar, na paz, dos maiores bandidos. Nesse aspecto, o mundo real, inclusive a difusão de imagens em movimento na TV e na internet, ainda é bem mais revelador que as redes onde cada um constrói sua lenda pessoal conforme bem entende. Embora seja difícil comprovar que um figurão é um pulha até que uma investigação o devasse, temos, ao menos, uma maior abertura para exercer o desconfiômetro quando o vemos na rua, numa conferência, no jornal, no curso de sua atuação pública. Um exemplo: quando, dois anos atrás, vi de perto, numa solenidade, o recém-afastado e indiciado chefe da Polícia Civil, Allan Turnowski, eu disse, a um amigo com quem dividia a mesa: — Não gosto da cara desse sujeito. — Como assim? — Não sei. O cara não está limpo. Dois meses atrás, um outro amigo me cantou a caçapa num Jobi da vida. — Fica ligado que esse Turnowski recebe bola. — Sério? Não! O que é isso!... Por via das dúvidas, comentei o boato com um colega de profissão que atua na área e é testemunha. Depois fiquei na minha. Li as notícias ribombantes em que Turnowski declarava-se pronto para invadir a Rocinha. Era só o governador dar a ordem. Boa parte da Zona Sul ficou excitadinha: dá a ordem, dá, Cabral! E de repente... eis que a menina dos olhos da Civil escorrega na lama. A lama: lembro de Lula dizendo que todos metemos, um dia, a mão lá. A propósito, esclareço que nessa coisa de intuição sempre fui com a cara de Lula. Com a de FH também. Sei lá. Se fosse apostar, diria que nunca roubaram. Já uma figura como a de Collor... a primeira vez que o vi, esbravejando contra os marajás, adverti: — Esse tem os olhos de um louco. Vai arrombar o cofre. Vai sangrar tudo como um desesperado. Tempos atrás, lá por 2001, irritei um amigo jornalista dez anos mais velho que eu, durante um almoço, ao dizer que Collor nunca me enganou. Meu amigo, experiente no setor de política, não reagiu muito bem, tomando como provocação: — Por que, você é algum profeta? Eu acreditei nele. Votei em Collor. Nem todo mundo tem a sua clarividência. Tenho a consciência limpa. Concordei com ele e pedi desculpas: é verdade. Como saber quem é quem no “livro das faces”? No máximo, a gente dá asas à nossa intuição, e expressa nossas más vibrações. Ou, como diriam meus amigos e amigas 15 anos mais jovens, nossas vibes ruins. Essa coisa de vibe é muito séria. Mas se, como ensina a sabedoria popular, as aparências enganam, isso também não é regra: enganam a quem, quando e como? Há outros figurões maiúsculos na esfera estadual sobre os quais eu diria, hoje: “Não vou com a cara.” Gente que está fazendo até um bom trabalho, mas, que se você for na casa de veraneio dela, não vai entender qual a fonte de tamanha mobília... Por isso é tão bom chegar em casa à noite, esquecer de tudo e navegar entre amigos (será?) no Facebook, essa maravilhosa máquina gestada por simpáticos e modernos facínoras. Arnaldo Bloch
Enviado por Germino da Terra em 01/03/2012
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