as três pessoas
de Gonçalo M. Tavares em o senhor Valéry e a lógica, Casa da Palavra
O senhor Valéry conhecia apenas duas pessoas. A pessoa que ele era nesse exato instante, e aquela que ele tinha sido no passado.
O senhor Valéry dizia:
— Se continuar a viver conhecerei uma terceira pessoa. E nesta altura o senhor Valéry sorria, com o seu ar vago e inteligente, enquanto, satisfeito, caminhava com passos pequeninos em direção ao seu próprio Eu que se encontrava no dia seguinte. — O passado tem um senhor Valéry, o presente sou eu, e o futuro terá um outro senhor Valéry. Pelos meus cálculos sou três pessoas. No mínimo. — No entanto — dizia ainda o senhor Valéry — três pessoas podem ser uma no caso de se conhecerem muito bem. E o senhor Valéry explicava: — Se corrermos muito rápido e o espaço for muito curto conseguimos estar em todo o espaço ao mesmo tempo. E desenhou [três quadrados pareados: um vazio, um com listras verticais e outro com listras horizontais] — É possível correr tão rápido de maneira a que se esteja simultaneamente nas três zonas — disse o senhor Valéry, apontando para o desenho que tinha feito. (Conhecer três pessoas e ser com elas uma única — terá murmurado ainda, lá ao fundo, o senhor Valéry). Porém, o senhor Valéry não tinha crises graves de identidade, tinha apenas crises de fígado no inverno. Gonçalo M. Tavares
Enviado por Germino da Terra em 01/10/2011
Alterado em 09/10/2011 Copyright © 2011. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |