lufadas pretéritas
O Paiol Velho entardece. Lá vem o lusco-fusco. Entardece chuviscando, mas uma lua devagar e mansamente vai clarear tudo. Cheiros variados, bons. Sento ao alpendre da casa e olho as meninas na delas. Dormem abanando os rabos — sonham com borboletas grandes e azuis. Vejo, ouço passarinhos a se aninharem. Aquelas músicas, Retinas com Dercio Marques, e Marisa a cantar Amor I love you onde Arnaldo Antunes fala com seu vozeirão que Luísa tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações! Empolgo e abro Eça neste instante, e ele continua, diz que Luísa sentira-se assim numa linda manhã, com uma certa tranquilidade outonal, quando o sol cai largo, resplandecente, após reler um bilhete de Basílio. E num é q’ela chega — é sua quinta-feira — e eu quero lhe falar uma coisa. Não, não vou vasculhar nem expor o que acontece. Quero apenas contar, com parcas palavras quer dizer q’eu viajara e retorno à ambiência que me apraz demais. Acontece que recebi um sinal-comunicado de que deveríamos voltar, que voltando tudo ficaria bem; que havíamos aprendido com as bordoadas em nós nos dadas, que poderíamos... assim poderíamos chacoalhar a poeira e dar a volta por cima vanzolinamente. Na preguiça de meu comodismo, fui a pé, de carro, ônibus, com o meu imaginário desejado e o tudo mais. Acreditei. Acreditei meio que desacreditando, é verdade — conheço o enredo. Eu vinha pescando noutro rio, nele refletia uma nova lua cheia que clareava as noites; nelas, outra estrela me cintilava, eu noutra galáxia. Mas fui; ou retornei. Pergunto e me respondo destrambelhado: “Açucena, viajei, como se diz... na maionese? É, cê pensa q’eu ficaria acabrunhado? Ficaria não. Ficaria nada! Quer saber duma coisa: te digo nada não. Te digo apenas que fiz um retorno sem voltar, só isso. E ó: comi o cocô do cavalo do bandido, me lambuzei na bosta e tudo mais; fiz de tudo um tudo e nada aconteceu. Quando cansei — enchi —, quando percebi a vida, que dela emanava a oferta dum tiquinho de valoração, a valorizei. Assim me encanto. Da vida não pretendo mais me desvencilhar — induz à conversação e ao tesão, variada e múltiplo, coisas que tanto acalento.” Você — é sério —, você que já namorou uma pessoa que tenha voz de taquara rachada, que fala idiotices ao seu ouvido, sem parar; você, com uma pessoa assim trepou apenas por tesão? Se sim — claaaro que sim —, algumas vezes por carência, certamente. Que por gosto prazeroso mesmo, duvideodó! Trepar assim é foda, né não! Por eu vislumbrar o idealizado, conversação & tesão, sons e cheiros, essas coisas, retornei, repito. E aí? É, retornei e volto pela conversação & tesão..., novamente me repito, sei bem, mas com que outras palavras eu poderia variar esse binômio deleitoso? E completo enfático: Mas... mas ser adestrado, ah, isso não! Eu que adestro cão; cão, gente não! Deixe-me! Que tenho a ver com as tuas naus perdidas? Deixa-me sozinho com os pássaros... com os meus caminhos... com as minhas nuvens... É isso, Quintana! Ainda falo contigo. Presta atenção, faz favor. Outro dia você me disse — reiterou me escrevendo — q’eu apenas penso em mim, que prevalece o meu querer, que me priorizo. Mas é claro! Como era, valorando o outro em detrimento de si próprio, de mim mesmo, não. Primeiro me importo; depois, assim, me importa o outro. Que outra maneira se tem pra se ser, pra estar junto com! O mais é empulhação pra inglês ver, como quando os bretões proibiram o tráfico negreiro e nós aqui continuamos trafegando a negrada amoitada por outras rotas, das áfricas às américas. E olha, tô dizendo isso é por nada não, é só por você não — é mais por mim, e falo com um óculo, metade de meus óculos, e isso me camba olhar mas não verga o enxergar —, então digo com imagens, já manso e conciliador: Se você me aceita creditando que te darei toda a minha paz, a única que tenho, a beleza que percebo nos céus, nos passarinhos e em seus sons, nos cheiros, no beijo e no abraço acarinhado e apaziguado de meu aconchego acanhado... tudo pra você. Se você me der, e se me quiser, pra isso eu assim em mim tudo prolongar, ah, aí, quem sabe? — certamente! —, volto sim pruma nova vida e a divido concê. Assim retorno sem voltar — ‘tamos intumescidos de lufadas pretéritas. O que está, como está, tá indigente na terra, a sete palmos. Com essa sentença guinei a carga e, enfim, finalizo. Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 24/08/2011
Alterado em 13/10/2011 Copyright © 2011. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |